Fechado no seu quarto, enclausurado como uma concha, o poeta está sozinho. Cansado de ouvir o telemóvel tocar. Desconectou-se das novas tecnologias. Deixou de ver os amigos e familiares. Movido por um ímpeto de profunda saturação, despediu-se do trabalho que mantinha por ‘fachada’; daqueles que servem apenas para pagar as contas ao final do mês. Desmotivado e farto de compactuar com os pressupostos capitalistas, nos quais está longe de se identificar, o poeta procura um norte para a sua vida. Sente nojo de si próprio por alimentar uma realidade despropositada. Acordar todos os dias, encerrar-se num escritório e labutar em frente a um computador, com um horário fixo, não era o fado que tinha ambicionado.
– Adrenalina? Emoção? Paixão? A resposta tem tanto de simples como de triste: zero. De que vale sobreviver senão posso de todo viver?
Dominado por um dilúvio infindável de pensamentos, o poeta perde-se entre os seus milhares de devaneios. No seio da sua intimidade, falta-lhe a resposta para a sua felicidade. Mas, pelo menos, chega à conclusão de rompimento com aquela falácia quotidiana. A cisão dá-se de forma abrupta. Afasta-se de todos aqueles que mais gosta. Não responde a quaisquer tentativas de contacto. Ignora o carteiro e seja quem for que se atreva a tocar à campainha. Arrisca-se a ser considerado psicologicamente perturbado. O poeta não quer saber.
As opiniões alheias e a incompreensão da sociedade não o preocupam. O frio do inverno, a falta de luz e a solidão, é onde quer estar. Divide-se entre a cama e a secretária: num momento está a escrever rascunhos de versos aleatórios; a seguir, e tomado de assalto por uma sensação de perfídia, rasga todos os pedaços de papel que tem à sua frente.
– Mas que estou eu a fazer? Não consigo escrever nada decente. Duvido que alguma editora, incluindo a mais reles de todas, tenha interesse algum em publicar este manuscrito. Julguei poder viver das minhas palavras, mas não sou capaz de as transmitir? Chamam-me louco por ter abandonado um trabalho por tempo indeterminado, talvez o seja. Mas sentir-me-ia ainda mais demente se continuasse a protelar aquela mentira.
O poeta duvida das suas capacidades. Procura inspiração em todas as suas memórias. Recorda cada momento trágico da sua vida – tem propensão a optar pelo drama. Os dilemas pessoais são insuficientes. Tenta ir mais longe. No conforto obscuro do seu lar, um cubículo mal decorado, com cheiro a mofo e inundado de livros, muitos livros, o poeta cerra os olhos para atentar naqueles que em tempos lhe foram próximos. Como se de uma película se tratasse, observa o desenrolar da fita: primeiro as ex-namoradas, as discussões – que eram muitas, porque se sentia absorvido pela incapacidade de deleite pela escuridão; depois, as aventuras doidivanas com os amigos por altura da Universidade, quando lhe era permitido sonhar; e, por fim, as desilusões com as sucessivas rejeições por parte das editoras. A verdade é que já tinha tentado. Inconformado, lutou até à exaustão. Bateu a cada porta possível e imaginária. Sempre foi recebido com um rotundo “não”.
– Isto acontece aos melhores, certo?
O poeta esboçou mil estratégias. Contactou figuras proeminentes das elites literárias. Ouvia aqui e além elogios aos seus versos. No entanto, na hora de adornarem as suas palavras num livro, todos se afastavam. – Porquê? Magoado e perdido entre álcool e outros vícios, alguns um quanto psicotrópicos na expetativa de encontrar a chave para a sua pretensa falta de imaginação, o poeta desviou-se do seu caminho. Não o queriam ouvir. Preferiam calar à força a voz da razão. Escrevia em sinal de descontentamento, como um alerta para a inocuidade e passividade de outrem. Escrevia cada verso de forma genuína. E quem quer um poeta assim?
Resguardado no seu mundo, com garrafas de Wishky e Martini espalhadas por toda a parte, o poeta continua a deixar-se levar pelo impulso da sua essência. Rascunhos e mais rascunhos, poemas marginais e simultaneamente belos, o negrume assenta-lhe magnanimamente. Continua insaciado, mas sem parar de escrever. A dor do repúdio é o gatilho para a explosão derradeira do seu talento. Nunca será compreendido, ou aceite. Mas o poeta permanecerá, assim, único. Um poeta obscuro é um poeta verdadeiro.